“Ali nosso banheiro era ‘capoeira’. Fazíamos as necessidades no mato, não tínhamos como ter banheiro.” O relato é do hoje construtor e líder comunitário do bairro Acréscimo das Laranjeiras, Loteamento do Alemão, em Serra (ES), Moisés Viana da Silva Oliveira, 44 anos.
Antes da chegada do saneamento, banheiro era improvisado
Nascido em Linhares (ES), ainda criança se mudou com a mãe para Serra, onde morou em outros dois bairros também sem infraestrutura. “A gente era caseiro e ficamos assim até minha mãe conseguir o terreno onde a gente mora, mas era mata ainda e só fomos ter banheiro bem depois, quando conseguimos construir uma casinha”, lembra Moisés, que vive na comunidade há quase 34 anos. Ele é o terceiro de sete filhos.
“O primeiro imóvel tinha fossa cavada no barro”, diz morador
A casa foi construída com materiais doados. “Sofremos bastante por causa da falta do saneamento básico. No começo improvisamos uma fossa, mas com o tempo não dava mais para fazer, então tinha que jogar todo o esgoto em um ‘valão’, e depois acabava caindo em um córrego que faz parte do Laranjeiras. Conforme as pessoas chegavam, faziam rede clandestina que terminava nesse ‘valão’, e o esgoto acabava ficando a céu aberto”, conta o construtor.
Nas memórias da adolescência, ele destaca que a casa deles foi a primeira a ter “fossa cavada no barro”, conta Moisés, lembrando que a filtração era direta na terra. “Lembro que tínhamos medo de contaminar o rio próximo.” Mas à época, não havia muito o que fazer, e com o crescimento do bairro, mais pessoas improvisaram redes que acabavam no ‘valão’ e, depois, no córrego Laranjeiras.
“O ano de 2014, mais ou menos, foi o ponto alto da expansão do bairro e da contaminação do córrego”, relembra.
Doenças não eram associadas ao esgoto ao céu aberto
As informações eram pouco difundidas, e os moradores, no início da formação do bairro, não sabiam que muitas doenças surgem por causa da exposição a essa situação precária.
“Quando minha família chegou — fomos os primeiros — bebíamos água da nascente, mas logo, com novos moradores, começou esse esgoto e contaminou tudo. Não podia mais beber a água da nascente, nem pescar. A nossa situação era muito precária na época. Também tivemos vários casos de doenças, mas as pessoas não entendiam que era por causa desse esgoto e ficavam assim, casos isolados, ninguém falava muito”, relata Moisés.
Desafio: a falta de regularização fundiária
O local onde Moisés e sua família moravam não era uma área regularizada. “Sem a regularização fundiária, não é possível levar a rede de esgoto. Isso dificultava muito”, detalha Wanderson Fonseca Gomes, analista de Responsabilidade Social da Ambiental Serra, empresa responsável pelo serviço de esgoto na cidade.
A unidade é uma Parceria Público-Privada firmada entre a Aegea e a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan), desde 2015. Mas a área ocupada pelos moradores começou a ser regularizada apenas no ano passado, quando iniciaram os trabalhos de implantação da rede de esgoto, concluídos em fevereiro deste ano.
Cobertura de esgoto já está em 92% na cidade de Serra
O bairro apresenta outro cenário. Com a chegada do saneamento, os moradores viveram uma grande transformação. O bairro do seu Moisés é um dos 118 atendidos no município. Em Serra, o trabalho rumo à universalização — a água tratada deve estar acessível a 99% dos brasileiros e 90% da população deve ter acesso à coleta e ao tratamento de esgoto até 2033, segundo o Novo Marco Legal — caminha a passos largos.
Segundo a Ambiental Serra, o acesso aos serviços de coleta e tratamento de esgoto teve um grande salto: de 58% em 2015, para 92% em 2023. Isso se deve à expansão da rede que, em 2015, somava 653 km e em 2023 já estava com 1.261 km.
Trabalho de conscientização aumenta conexão dos moradores à rede
A ampliação da cobertura em oito anos colocou o município dentro do grupo de 60 cidades do país com 90% ou mais de cobertura. Mas não foi apenas isto. A PPP trabalhou, junto aos moradores, para que eles se conectassem à rede que estava disponível.
“Temos um trabalho de conscientização muito forte. Fazemos blitz do saneamento, levamos carro de som para o bairro, tudo para conscientizar ao máximo a população sobre todas essas questões”, conta Wanderson. As ações de conscientização chegam às escolas por meio de programas como o Saúde Nota 10, para que as crianças recebam as informações desde pequenas. “É uma mudança de cultura, um trabalho constante.”
Em 2015, eram 71.007 imóveis conectados à rede de coleta e tratamento de esgoto. Já em 2023 este número saltou em quase 145%, chegando a 173.631 imóveis conectados.
Ampliação do acesso ao esgoto reduz taxa de internações hospitalares
Se em um passado distante as pessoas não tinham informação de que água contaminada poderia carregar inimigos invisíveis que provocam doenças, no presente não resta a menor dúvida quanto a isso.
De 2015 a 2023 foram mais 102 mil imóveis conectados, cujo esgoto está devidamente ligado à rede coletora para tratamento e destinação adequada, o número representa aumento de 53%. É mais gente ligada à rede, mais benefícios, sobretudo na área da saúde. Estudo do Instituto Trata Brasil aponta que a taxa de internações por doenças de veiculação hídrica ou respiratória, registrada no município de Serra, foi reduzida em 39% no período de 2012 a 2019.
Saneamento chega e transforma a vida de toda a comunidade
Durante o período de 2015 a 2023, a presença da Parceria Público-Privada também repercutiu na geração de renda, gerando em média 395 empregos diretos e 204 indiretos na região.
“Para mim, mudou muito, foi uma grande conquista, resultado de muita luta [ele participou ativamente de todo o processo de implantação da rede no bairro]. Hoje acredito que tenho uma vida digna”, afirma Moisés.
Dignidade, para ele, se resume em: ambiente sem mau odor; ruas sem esgoto a céu aberto; fim da presença de animais peçonhentos e menos doenças. E é nesse cenário que ele, a esposa e os três filhos prosperam.
O antes e o depois
Ele, antes ajudante de pedreiro, agora é construtor com cursos de elétrica e bombeiro hidráulico; antes sem estudar, agora proporciona estudo aos filhos — de 15, 10 e 9 anos de idade; antes vivia em um barraco sem banheiro, agora mora em uma casa de alvenaria, com banheiro e conectada à rede de esgoto; antes com luta por melhores condições, agora com sentimento de valorização.
“O esgoto é um serviço essencial para que possamos nos sentir assim. Com dignidade”, conclui.
Serra é referência no país quando o assunto é o acesso ao saneamento básico. Um resultado, que aos olhos de Wanderson Gomes se deve à união das equipes responsáveis e à confiança na área de Responsabilidade Social. “É muito gratificante poder, por meio do nosso trabalho, ajudar tanta gente, transformar a vida das pessoas”.
Texto: Chris Reis
📌 Links e Fontes
https://tratabrasil.org.br/wp-content/uploads/2024/04/Tabela-Resumo-Ranking-do-Saneamento-de-2024-TRATA-BRASIL-GO-ASSOCIADOS.pdf
https://aegea.blog.br/investir-em-saneamento-e-fazer-saude-preventiva/?utm_source=chatgpt.com
https://tratabrasil.org.br/wp-content/uploads/2023/10/Release-Beneficios-Economicos-e-Sociais-em-Espirito-Santo-ATUALIZADO-03.10.23-V1.pdf