Congresso quer incluir saneamento como direito na Constituição Federal

Quase 90 milhões de brasileiros vivem sem coleta de esgoto e mais de 32 milhões sem acesso à água tratada, segundo informações do Ranking do Saneamento 2024, do Instituto Trata Brasil. Ainda de acordo com a instituição, a falta de saneamento é um fator que coloca em risco a saúde, sobrecarregando o Sistema Único de Saúde com casos de doenças evitáveis. Um estudo recente (março de 2025) aponta que foram registradas 344 mil internações decorrentes da falta de acesso ao saneamento em 2024 e 11.544 óbitos no ano anterior.

É diante desses números alarmantes que tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 20/2025, que visa incluir o direito ao saneamento básico no rol dos direitos sociais. O saneamento básico, definido pela Lei 11.445/2007, abrange os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejo de resíduos sólidos e de águas pluviais.

Sendo assim, se a PEC 20/2025 for aprovada, o saneamento básico passará a integrar o Artigo 6º da Constituição Federal, onde já constam os direitos sociais definidos como: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

Segundo a Agência Senado, a PEC — apresentada pelo senador Randolfe Rodrigues (PT/AP), originalmente como PEC 2/2016 — foi aprovada no Senado e encaminhada para apreciação da Câmara dos Deputados, onde tramita sob o número 20/2025.

Saneamento já está na Constituição Federal

Apesar de ainda não estar expresso na Constituição como um direito social, o saneamento está diretamente relacionado a outros dispositivos constitucionais. Veja:

  • Artigo 6º – saúde e moradia;
  • Artigo 23 – define as competências comuns à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico);
  • Artigo 196 – a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, bem como ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação;
  • Artigo 225 – todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Eduardo de Castro Ferreira, pesquisador em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Mato Grosso do Sul, acredita que saneamento e dignidade estão fortemente associados.

Conexão com dignidade e em consonância com a ONU

Na leitura do pesquisador em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Mato Grosso do Sul, Eduardo de Castro Ferreira, o conceito de saneamento como direito está fortemente relacionado ao Art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, onde a dignidade da pessoa humana figura como um dos princípios fundamentais.

Ele acredita que saneamento e dignidade estão fortemente ligados:  “Sendo assim, considero imprescindível que o Brasil inclua o saneamento no rol dos direitos sociais e garanta, de fato, o acesso de todos os cidadãos a uma vida digna com todos seus direitos humanos preservados. É mais do que uma necessidade, é um compromisso do Estado com o bem-estar de toda a sociedade”, diz.

Um passo em consonância com o preconizado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que  reconhece desde 2010 o direito humano à água potável e ao saneamento (Resolução A/RES/64/292).

Medida pode contribuir para ampliar o acesso

Ao considerar o reconhecimento do saneamento básico como um direito social, o Brasil dá um passo jurídico importante, com potencial de impacto direto na ampliação do acesso a esse serviço por um número maior de pessoas.

“A aprovação da PEC 20/2025 seria um passo jurídico crucial ao elevar o saneamento a um patamar de prioridade nacional, conferindo maior força legal para sua exigibilidade, o que contribui para a universalização desses serviços que são essenciais para a qualidade de vida e o desenvolvimento sustentável do país”, completa o pesquisador.

A universalização está prevista no Novo Marco Legal do Saneamento, que estabelece a meta de garantir, até 2033, o acesso à água potável para 99% da população e à coleta e tratamento de esgoto para 90% dos habitantes.

Os impactos que podem ser gerados com a aprovação

Segundo o pesquisador, se a proposta for aprovada, ela pode trazer impactos importantes: dar mais força legal ao direito ao saneamento; fazer com que o tema ganhe prioridade nas políticas públicas e no orçamento; ajudar a reduzir desigualdades regionais e sociais — com foco especial nas populações mais vulneráveis — e reforçar o papel de cada esfera do poder público (União, Estados e Municípios) na missão conjunta de garantir esse serviço essencial.

“Seria ingênuo pensar que a aprovação da PEC 20/2025 por si só resolveria por completo a questão do saneamento no Brasil. Problemas complexos não têm soluções simples, sendo evidente que muitos são os desafios que persistem, e que a resolução exigirá, entre outras coisas: vontade política; capacidade de investimento; regulamentação efetiva; bem como monitoramento e fiscalização”, diz o pesquisador.

Mais equidade em saúde e fortalecimento da justiça social

A inclusão do saneamento como direito social tem um amplo leque de impactos esperados, como a redução do número de internações por doenças de veiculação hídrica, à medida que mais pessoas passem a ter acesso aos serviços. Estudo do Instituto Trata Brasil aponta que a chegada do saneamento básico pode reduzir em 69,1% a taxa de internações por Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI) após 36 meses da intervenção (leia mais sobre o assunto na Grande Reportagem aqui no Saneamento Salva).

Com o novo arcabouço jurídico, a expectativa é de mudanças substanciais.  “Com essa nova configuração jurídica, será possível garantir mais investimentos em saneamento. Assim, pode-se criar condições necessárias para romper ciclos históricos de negligência e exclusão sanitária, contribuindo diretamente para a diminuição da carga de doenças evitáveis, a promoção da equidade em saúde e o fortalecimento da justiça social no Brasil”, conclui.

Texto: Christiane Reis

📌 Links e Fontes

https://tratabrasil.org.br/wp-content/uploads/2025/03/ESTUDO-COMPLETO-Saneamento-e-saude-Como-a-falta-de-acesso-a-infraestrutura-basica-afeta-as-incidencias-de-doencas-relacionadas-ao-saneamento-ambiental-inadequado-no-Brasil-TRATA-BRASIL.pdf 

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/03/25/pec-do-saneamento-comeca-a-tramitar-no-plenario

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2503919

https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2025/04/senado-insere-na-constituicao-o-direito-ao-saneamento-basico

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/setembro/SEI_00135.216703_2020_84.pdf