Diarreias e gastroenterites, doenças que podem ser transmitidas pela água contaminada, ainda causam milhares de internações e mortes, especialmente entre crianças. Apesar dos avanços, como a vacina contra o rotavírus, o perigo persiste — e se agrava com a presença de esgoto a céu aberto. Por isso, o simples gesto de lavar as mãos ganha um peso vital em muitos lugares do Brasil onde não há saneamento. Sem água corrente, tudo se complica: do tonel ao vaso sanitário, o risco se espalha. Nesta entrevista, vamos entender por que higienizar as mãos é um ato essencial de saúde pública.
Qual é a importância do hábito de lavar as mãos na prevenção de doenças?
Lavar as mãos é um hábito essencial na prevenção de infecções, pois elas são um dos principais veículos de transmissão de microrganismos como bactérias, vírus e parasitas intestinais. Por isso, este hábito é tão valorizado em hospitais, onde há a presença de patógenos multirresistentes e pessoas doentes, muitas vezes com baixa imunidade, que são mais suscetíveis a essas infecções, muito difíceis de tratar. No nosso dia a dia, é importante lavar as mãos sempre depois de ir ao banheiro, antes de comer e ao preparar alimentos.
Por que o risco aumenta em regiões sem saneamento básico?
A lavagem das mãos ganha uma importância ainda maior em locais sem saneamento básico, pois as fezes contaminadas não estão restritas ao vaso sanitário. Se há esgoto sem tratamento sendo jogado no local onde as pessoas vivem, onde as crianças brincam, aumenta muito a chance de contaminação. Quando falamos de higiene das mãos e saneamento básico, a associação mais direta é relativa à infecção por parasitoses intestinais. Existem diversos protozoários intestinais, como as amebas e a giárdia, por exemplo, que são responsáveis por verminoses intestinais e podem estar presentes nas fezes, assim como alguns tipos de vírus, especialmente os rotavírus, e bactérias como a salmonella. Quando tocamos uma superfície contaminada por fezes que contenham esses agentes patogênicos — o solo, por exemplo, pois os ovos de alguns helmintos ou cistos de protozoários podem sobreviver bastante tempo na terra — e depois levamos a mão à boca, ao nariz ou aos olhos, ou tocamos um alimento, acabamos nos contaminando. Daí a importância de todos lavarem as mãos após utilizar o banheiro, antes de comer e de preparar alimentos.
Que outras medidas ajudam na prevenção deste tipo de doença?
Cuidar da água que bebemos, pois ela também pode estar contaminada pelo esgoto sem tratamento, e esse é um problema que não será resolvido apenas pela higienização das mãos. Se não houver abastecimento com água tratada, uma medida bastante eficaz é ferver a água, lembrando que a correta higiene das mãos continua sendo de suma importância. Afinal, se você ferve a água, mas depois a manipula com as mãos sujas, corre o risco de contaminá-la novamente.
Quem armazena água corre risco de se contaminar?
A ausência de água corrente acentua os riscos, pois, se você tem que pegar água de um tonel, por exemplo, para jogar no vaso sanitário e afundar as mãos, pode acabar contaminando toda a água. A vasilha usada para pegar a água pode estar contaminada pelas mãos da pessoa que a usou antes. Enfim, o cuidado com a limpeza das mãos deve ser redobrado, pois elas são um veículo potente de transmissão de diversas doenças infecciosas, principalmente quando não se tem condições de saneamento básico, como pia e água corrente para permitir a efetiva higienização.
Quais são as doenças que podem ser evitadas com esses cuidados?
São muitas, mas principalmente as diarreias, gastroenterites e doenças respiratórias, além de bactérias multirresistentes em ambientes hospitalares. Basicamente, todas as doenças podem ser transmitidas diretamente de pessoa a pessoa ou por meio da contaminação de superfícies. O número de casos de internações e mortes por diarreia, especialmente em crianças, ainda é muito grande no mundo, embora se note uma diminuição nas últimas décadas, especialmente por conta da vacinação contra rotavírus.
Existe relação entre a falta de saneamento e conscientização sobre a lavagem das mãos?
Evidentemente, se não há água corrente, fica difícil ensinar a lavar corretamente as mãos, mas eu acho que vai muito além disso. Muita gente, mesmo com acesso à água e sabão, não tem o hábito de lavar as mãos com a frequência necessária ou não lava direito. A conscientização sobre a lavagem das mãos tem que começar na primeira infância. Precisamos lembrar nossas crianças de lavar as mãos quando saem do banheiro, antes de comer, mas também quando chegam da rua, quando entram na escola… E precisamos também mostrar como se faz, explicar para que serve o sabão, que é preciso esfregar a mão toda, não esquecer os polegares nem as unhas (veja as dicas para a correta lavagem das mãos).
Que tipo de políticas públicas podem ser implementadas para promover a conscientização em comunidades vulneráveis?
Depende muito de que comunidades vulneráveis estamos falando, pois, evidentemente, é preciso ter políticas públicas para melhorar o saneamento básico, garantindo acesso à água e ao esgoto tratados, assim como intensificar as campanhas de conscientização. A pandemia de COVID-19 fez um pouco esse papel, no sentido de falar muito da necessidade de se lavar as mãos. Mas crianças continuam morrendo de diarreia e pacientes continuam morrendo de infecção hospitalar. Então, o acesso ao saneamento e a higienização das mãos precisam de campanhas permanentes nos hospitais, nas escolas e nas unidades básicas de saúde também. O fato é que lavar as mãos é um ato simples e barato, mas muito efetivo, desde que se tenha acesso a condições mínimas de saneamento e produtos de higiene, que se aprenda a fazer corretamente e que se torne intuitivo.

Mais sobre a pesquisadora
Tania Zaverucha do Valle, é graduada em Ciências Biológicas – modalidade Genética, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998), e também possui Licenciatura Plena em Ciências Biológicas pela mesma instituição (1999). Concluiu o mestrado (2001) e o doutorado (2005) em Biologia Parasitária na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), além de ter realizado pós-doutorado em Genética de Camundongos no Instituto Pasteur de Paris, entre 2007 e 2010.
Atualmente, atua como tecnologista da Fiocruz e é docente colaboradora do programa de pós-graduação em Biologia Parasitária do Instituto Oswaldo Cruz. Possui ampla experiência na área de Parasitologia, com ênfase em Protozoologia de Parasitos, desenvolvendo pesquisas principalmente nos seguintes temas: leishmaniose, Trypanosoma cruzi, infecção experimental, imunidade celular, genética de camundongos e resistência/susceptibilidade.
Entrevista a Andrea Santa Cruz.