Qualidade de vida nas palafitas

A primeira vez que viu o igarapé que atravessa todo o Beco do Nonato, no Bairro Cachoeirinha, na zona leste de Manaus, Kennedy tinha uns 12 anos de idade. O igarapé era bem diferente dos que estava acostumado a ver no interior. 

Os pequenos riachos, presentes em toda a Amazônia, receberam esse nome por serem navegáveis e em tupi o termo significa “caminho de canoas”. Ali na capital, mais parecia ser o caminho do lixo, com muitos resíduos ao longo das margens, água escura e cheiro nada agradável.

Há pouco mais de um ano, Kennedy deixou a cidade natal, Parintins, famosa pelo festival folclórico que tem os bois Caprichoso e Garantido como principais atrações, para  viver com a mãe, a dona Aldinéia, no Beco do Nonato. A casa da família fica em cima do igarapé, como a maioria das moradias do lugar. 

Kennedy Ramos, 25 anos.

 

 

 

“Foi um trabalho muito bem pensado do jeito que o pessoal da empresa fez. Mudou a nossa vida para sempre.”

 

 

 

Mudanças na comunidade

Ao chegar, se surpreendeu com o que encontrou. Não havia mais o cheiro forte que ficou marcado em sua memória, havia pontes ao invés das “pinguelas” e tudo pareceu mais organizado, principalmente por conta das tubulações instaladas ao longo das ruas. Até as casas estavam mais bem cuidadas. Ali, a rede de água tratada, que geralmente fica enterrada, é visível.

“A maior mudança a gente percebe dentro de casa, pois a descarga do vaso sanitário ia direto para a água do igarapé. Então vinha um cheiro terrível, era bem insuportável mesmo. Agora, foram instaladas redes de esgoto embaixo das casas. Melhorou 100%. Foi um trabalho muito bem pensado do jeito que o pessoal da empresa fez. Mudou a nossa vida para sempre”, conta Kennedy Ramos, de 25 anos, que trabalha no Polo Industrial de Manaus.

Moradora do Beco do Nonato há 40 anos, Gisele Dantas voltou a ter esperança com a chegada do saneamento.

Impacto na saúde e no cotidiano

Uma das vizinhas dele, Gisele Dantas, acompanhou a mudança de perto. Ela se mudou para o Beco do Nonato aos cinco anos de idade, há 40 anos, viu o igarapé se transformar em um esgoto a céu aberto e está presenciando a mudança agora. “Eu já tinha perdido a esperança de viver aqui, tinha vontade de mudar, mas a gente não tinha outro lugar para ir”, diz a dona de casa Gisele Dantas. 

“As crianças só viviam doentes, os idosos também, não só as minhas, mas de todo mundo aqui. Dava muita diarreia e vômito”, conta. Ela criou os três filhos ali: Lucas, que hoje tem 24 anos, Mariana, de 22 e Andrés, com 12. “Fui para o Pronto Socorro da Criança com eles várias vezes, era muito difícil mesmo”, afirma. “A água que vinha pela torneira era suja, tinha que comprar água para beber”, diz.

“Em 2018, a situação começou a mudar, com a chegada da rede de água tratada, não vou esquecer essa data nunca.”

No ano retrasado, começaram a instalar a rede de esgoto e hoje tá muito bom pra gente, sumiu o cheiro, tem mais saúde, a vida aqui está bem melhor, é uma vitória”, conta Gisele.

Saneamento para todos

O sonho que os moradores ainda têm? Mais melhorias. “O saneamento precisa chegar em outras partes, em outros bairros onde ainda não tem, pois o mais importante na vida é a nossa saúde”, espera Gisele Dantas. 

Para Kennedy, a melhoria que falta vai vir com maior conscientização da população. “Hoje tenho muito orgulho de morar aqui, é um lugar de pessoas de boa índole, que ajudam quando algum vizinho precisa, pois moramos muito perto um dos outros, mas a água do igarapé vem de longe, trazendo muito lixo. É preciso parar de jogar lixo na natureza, ela não está dando conta mais”, diz.

A solução inovadora das redes aéreas foi reconhecida pela ONU.

Caso de sucesso em saneamento 

As mudanças relatadas por Gisele e Kennedy estão por todo lugar no Beco do Nonato, que tornou-se referência em saneamento, beneficiando seus 900 moradores com acesso à água tratada e esgoto coletado e tratado. A solução inovadora das redes aéreas, instaladas para evitar o contato com a água poluída, foi reconhecida pela ONU e replicada em outras comunidades de palafitas em Manaus.

Assim como ocorreu com a expansão do abastecimento de água, a população vulnerável teve atenção especial com a ampliação dos serviços de coleta e tratamento de esgoto. O projeto piloto foi desenvolvido em 2022 e o do Beco Nonato foi a primeira área de palafitas com essas características a ser contemplada com o acesso ao esgoto tratado. 

O esgoto é transportado até a Estação de Tratamento Educandos, com apoio de estações elevatórias.

“Geralmente a rede de esgoto é aterrada, a gente deixa apenas a ligação na frente da casa dos moradores, mas no Beco do Nonato a gente teve que inovar. Pedimos permissão a cada morador para fazer isso”, relata o gerente de serviços da Águas de Manaus, Waldiney Lima.

O projeto piloto está sendo ampliado para outras áreas de Manaus.

Expansão do Programa 

O sucesso do Beco do Nonato inspirou a ampliação do projeto para outras áreas vulneráveis e hoje faz parte do Programa Trata Bem Manaus.

O case em números: transformação no Beco do Nonato 

Rede aérea de água tratada: começou a ser implantada em 2018 com o Programa Vem com a Gente, da Águas de Manaus. O foco na época era implantar redes de abastecimento em áreas vulneráveis da cidade com mais de 2 milhões de habitantes, a mais populosa da Região Norte. 

Rede aérea de coleta de esgoto: projeto piloto implantado em 2022. 

População beneficiada: São 900 moradores do Beco do Nonato.

Texto: Rosiney Bigattão