“Carreguei muita lata d’água na cabeça. Vi algumas crianças da vizinhança passando por doenças. A gente chamava de barrigudinho na época, porque não tivemos acesso à água tratada até os meus 14 anos”, conta Jucimeire Maciel da Silva, de 47 anos, líder comunitária em Campo Grande (MS). Com a chegada da água tratada ao Nova Lima, bairro mais populoso da capital, a realidade de centenas de famílias mudou.

Da lata d’água na cabeça ao alívio da rede de esgoto
Agora a região conta também com rede e esgoto, um divisor de águas na vida de Jucimeire, que é líder comunitária. Hoje, o simples ato de preparar o café da manhã para a família carrega um significado especial. “Foi uma alegria só, quando tivemos a instalação da água tratada porque antes disso, todo mundo ia na casa de uma vizinha ao final da rua. Era a única que tinha água encanada. Então formava uma fila na frente da casa dela. Era um tempo muito difícil, mas logo vimos a mudança e hoje temos também a rede de esgoto”, relembra Jucimeire.
Doenças diminuíram com ampliação da rede de esgoto
A história dela reflete uma transformação que impacta milhares de famílias do município. Entre 2003 e 2021, Campo Grande saltou de 19,1% para 89,32% de cobertura com rede de esgoto, beneficiando mais de 665 mil pessoas, um aumento de 564% na cobertura.
Antes da ampliação do saneamento, muitas famílias conviviam com fossas sanitárias próximas a poços artesianos, contaminando a água consumida. Crianças adoeciam com frequência e os postos de saúde estavam sempre cheios.
“Depois da ligação, acabou o mau cheiro da fossa, economizei muito com o tatuzão que tinha de vir a cada três meses e, além de ser mais saudável, valorizei meu imóvel”, afirma Jucimeire.
A rede de coleta e tratamento de esgoto cresceu de 520 km para 2.481 km, um aumento de 488% entre 2003 e 2021. Como resultado, as internações por Doenças Diarreicas Agudas (DDA) despencaram. Em 2003, Campo Grande registrava 842 internações de crianças menores de quatro anos por DDA. Em 2021, foram apenas 42 – uma redução de 97%.
Estudo comprova a conexão entre saúde e saneamento
Os dados acima são da pesquisa “Análise dos Indicadores de Saúde Pública e Esgotamento Sanitário”, conduzida pelo professor doutor Ariel Ortiz Gomes, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Como mostrado acima, o estudo revelou que, à medida que a infraestrutura avançava, os casos de DDA diminuíram drasticamente.

Além da queda nas internações de crianças, houve redução também entre toda a população em geral. Entre 2003 e 2021, a taxa de internações por doenças relacionadas à falta de saneamento caiu 93%, refletindo os avanços na infraestrutura sanitária. “Ter água tratada, de qualidade, na torneira de casa é essencial. Isso reduz riscos, melhora a qualidade de vida e diminui a incidência de doenças”, destaca o pesquisador Ariel.
“É importante considerar que separar os fatores intervenientes em uma pesquisa não é uma tarefa simples. No entanto, é possível analisá-los como um conjunto de elementos que contribuem para essa redução”, explica, ao destacar que o saneamento faz parte de um conjunto de políticas públicas que melhora a vida nas cidades.
Investir em saneamento gera economia em saúde pública
A pesquisa também indicou que investir em saneamento significa economizar em saúde pública. Entre 2003 e 2017, os gastos públicos com internações por DDA caíram de R$48,3 mil para R$7,4 mil – ou seja, uma redução de 85%. “O serviço de saneamento traz benefícios sociais e econômicos. Se a pessoa não adoece, pode trabalhar, cuidar da família e contribuir para o crescimento da cidade”, explica o doutor Ariel.

A diretora-executiva da Águas Guariroba, Francis Moreira, destaca que a concessionária vem investindo constantemente em tecnologias para o tratamento e abastecimento de água e coleta e tratamento do esgoto em Campo Grande. “Nos últimos dois anos, por exemplo, mais de 500 quilômetros de rede de esgoto foram implantados pela concessionária, levando mais saúde e dignidade às famílias de diversos bairros da capital.”

Universalização do saneamento: desafio e prioridade nacional
Campo Grande já atingiu a universalização do saneamento e cumpriu as metas do Novo Marco Legal do Saneamento, refletindo o engajamento da sociedade local. Jucimeire destaca a importância da mobilização comunitária e a parceria com o poder público.
Segundo Francis Moreira, a cidade alcançou 93% de cobertura de esgoto em 2024, nove anos antes da meta nacional de 2033. Já o abastecimento de água é universal desde 2011. A diretora-executiva lembra que, junto com a rede de esgoto, chega também o desenvolvimento: “Temos projetos sociais que tratam do meio ambiente, sustentabilidade e até geração de renda. É uma transformação completa da região com a chegada do saneamento.”
O professor Ariel reforça que, embora Campo Grande seja um exemplo, o país ainda enfrenta desafios. “O Brasil precisa de investimentos massivos para universalizar o saneamento. O que fica de mais importante neste estudo é que cada real investido nesse setor retorna em melhorias na saúde pública, desenvolvimento econômico e qualidade de vida para todos”, afirma.

Campo Grande rumo a 100% saneada
A expectativa é que a cidade atinja 98% de cobertura da rede de esgoto até 2029, com projetos em andamento como a construção da nova Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) no bairro Colúmbia.
“A cidade evoluiu e muito por conta da própria população que exige a rede de esgoto. E para melhorar ainda mais acredito que a empresa também pode implementar ações de porta em porta”, reforça Jucimeire, dando voz à comunidade que acompanha e cobra avanços constantes.
Estudo em números:
Texto: Andrea Santa Cruz.