De 2015 para cá uma expressão se faz presente na vida das pessoas no mundo inteiro: a Agenda 2030. Todos já ouvimos falar sobre isso, mas internalizar e tornar cada conceito algo prático exige envolvimento em diferentes níveis. Para dar conta desse compromisso firmado com 193 países, entre eles o Brasil, as pessoas precisam, sobretudo, entender o seu papel para a execução desse plano global. Uma proposta que envolve pessoas físicas e jurídicas, ninguém fica de fora.
O compromisso firmado e que mobiliza tanta gente depende de movimento coletivo que envolve de pequenas a grandes ações. A primeira delas é compreender o que é esse plano global. A Agenda 2030 define 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com 165 metas robustas que mexem com a vida de todos nós e que visam acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima, além de garantir que as pessoas possam desfrutar de paz e prosperidade.
E tudo isso só é possível tendo saúde.
Saúde entra pela boca
Então que tal memorizar? Se a água que sai pela torneira não tem qualidade, a saúde passa longe. É o tipo de frase para colocar na porta da geladeira, no alerta do celular ou em qualquer outro lugar para não esquecer.
Quem tem lembranças da dificuldade para se obter água, sabe o que representa cada gota que sai da torneira de casa.
“Tinha poço. Abria ‘buracão’ e fazia paredes, desde lá embaixo quando achava a vertente. Fazíamos a parede com tijolo maciço, depois, mais tarde outros poços já tinham anel de concreto. Com água encanada tudo fica mais fácil, antes era bem sacrificada a vida das mães”, lembra o pescador Giovani Trippia S.Thiago, 73 anos, morador do bairro Ubatuba, em São Francisco do Sul (SC).
E ter água boa é uma conquista que vai além da eliminação de poços e a dispensa de força física para puxar baldes. Ela representa saúde. “ Quantas doenças deixam de assolar a população. Antes pegava a água do poço e colocava no filtro, mas não era a mesma coisa, muito doentio para a população. Graças a Deus temos água tratada”, diz Giovani S. Thiago.
O exemplo que vem de Barcarena, no Pará
No outro extremo do Brasil, em Barcarena (PA), o relato sobre as memórias da vida sem água tratada e sem esgoto parece semelhante. “Aqui a gente vivia na lei da sobrevivência […] a gente usava o que tinha, a água de poço ‘boca aberta’, sem tratamento, água contaminada”, relembra a autônoma Rosa Maria da Silva, 72 anos.
Hoje ela comemora a água de qualidade. “Estou muito ansiosa e com expectativa de ver Barcarena 100% recebendo saneamento básico. Isso traz satisfação e garantia de vida saudável”, diz Rosa Maria.

Saneamento é forma básica de prevenir doenças, diz técnica do Médico Sem Fronteiras
A água sem qualidade realmente é sinônimo de adoecimento. Com base em informações do Datasus de 2022, o Painel Saneamento Brasil aponta 191.418 internações totais por causa de doenças de veiculação hídrica e 2.306 óbitos no país.
Infelizmente ainda existem desafios a serem superados. Por aqui são quase 32 milhões de pessoas (15,8%) sem acesso à água e 90,2 milhões (44,5%) sem coleta de esgoto, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), referentes a 2022 e divulgados pela mesma plataforma.
A relação água potável e saúde é inquestionável. “O saneamento é uma das formas mais básicas e eficazes de prevenção de doenças. É um pré-requisito fundamental para a saúde pública, a dignidade humana e o próprio funcionamento das comunidades. Não se trata apenas de infraestrutura, mas de justiça social e sobrevivência. Investir em medicina moderna sem antes garantir o acesso a saneamento é como construir o telhado antes da fundação. Em locais onde esse serviço básico é inexistente ou precário, continuam prevalecendo doenças evitáveis como diarreia, hepatite E, cólera e parasitoses intestinais, muitas vezes responsáveis por altas taxas de mortalidade infantil e impacto crônico na saúde e na economia familiar”, avalia a técnica em água e saneamento, Rosana Abi Saab, que acumula mais de oito anos na organização humanitária Médicos Sem Fronteiras.
Rosana é natural da Venezuela e durante esse período, contabiliza ações em nove países, incluindo Chade, Sudão, Bangladesh, Nigéria, Venezuela e Brasil, sempre em função de reduzir a propagação de doenças por meio da prevenção, ajudando a restabelecer o acesso à água potável, promovendo o saneamento e realizando o controle de vetores. Uma das experiências registradas se trata do trabalho para análise da água de uma fonte superficial na região de Beira, em Moçambique, durante o ciclone Idai.
As indústrias têm papel fundamental na opinião da CNI
Na perspectiva de que ninguém fica de fora, as empresas brasileiras também se mobilizam para fazer a Agenda 2030 acontecer e nesse sentido, sendo tão fundamentais para a saúde da população, o saneamento e a água potável integram o que a Confederação Nacional da Indústria (CNI ) considera um objetivo estratégico e prioritário dentro da proposta, por sua relação direta com a competitividade industrial, a saúde pública, a segurança hídrica e a sustentabilidade ambiental.
“A indústria tem um papel fundamental na promoção da gestão sustentável da água e na ampliação do acesso ao saneamento, tanto como usuárias intensivas do recurso quanto como parceiras na implementação de políticas que visam o aumento da eficiência desses serviços. Com o apoio da CNI, essa contribuição tem se fortalecido especialmente após a aprovação do Marco Legal do Saneamento Básico, que abriu novas oportunidades para a atuação do setor privado”, diz a CNI em nota ao Saneamento Salva.
Segundo a nota, por meio das concessionárias privadas de saneamento, a indústria tem contribuído com investimentos para a expansão da cobertura e modernização da infraestrutura de água e esgoto.
“Em observância ao ODS 6.3 a CNI tem atuado fortemente para reduzir à metade a proporção de águas residuais não tratadas e aumentando substancialmente a reciclagem e reutilização segura no Brasil, tendo publicado 10 (dez) estudos para avaliar o potencial de oferta e demanda de efluentes tratados para 10 estados brasileiros; além desses estudos a CNI promoveu estudo de viabilidade econômica da técnica no Brasil”, complementa a CNI na nota.
Atuação ativa
Ainda no contexto do saneamento, destaque para a atuação ativa “para a aprovação e implementação do Marco Legal (Lei nº 14.026/2020), com o objetivo de impulsionar a universalização dos serviços de água potável e esgotamento sanitário, por meio da criação de um ambiente regulatório mais seguro e do estímulo à ampliação dos investimentos privados no setor.”
Além disso, a Confederação promove e participa de encontros empresariais e acadêmicos sobre dessalinização de águas salobras e salinas e uso sustentável de águas subterrâneas, tudo para assegurar o fornecimento regular de água para o setor, portanto, sua competitividade global.
Também coordena a Rede de Recursos Hídricos da Indústria, composta por Federações, Associações e indústria; integra o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), órgãos colegiados integrantes, respectivamente, do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR) e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA); além de integrar também o Conselho Curador do FGTS (CCFGTS) e Conselho Curador do Fundo de Desenvolvimento Social (CCFDS) – órgãos colegiados responsáveis pela condução de fundos que permitem o financiamento de projetos em saneamento básico e infraestrutura.
Mas afinal, o que são os ODS?
Segundo a ONU, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são 17 objetivos ambiciosos e interligados para enfrentar desafios de desenvolvimento. O ODS 6 ( água potável e o saneamento) influencia boa parte dos ODS, estando ligado de forma direta ou indireta.
Para Rosana Abi Saab, o saneamento não pode e nunca poderia ficar fora dos ODS por ser estruturante no contexto de saúde e vida digna.
“O saneamento está diretamente ligado a outros ODS: saúde (ODS 3), educação (ODS 4), igualdade de gênero (ODS 5) e redução das desigualdades (ODS 10). Onde ele não está disponível, comunidades inteiras ficam presas num ciclo de pobreza e vulnerabilidade. Portanto, o saneamento não é apenas um componente dos ODS, ele é a base estrutural sobre a qual o progresso real pode acontecer. Negligenciar o acesso a saneamento adequado é negar o acesso à saúde, principalmente das crianças menores de 5 anos. E pessoalmente um assunto que não deixa de soar na minha cabeça, mas sem deixar de lado a saúde pública. Considero o investimento em saneamento a base para o cuidado ambiental em um mundo onde a população não para de crescer”, diz.
Ela completa citando ainda a tradução de uma frase do ex-secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan. “A frase que se tornou quase um mantra para quem trabalha com saneamento: ‘Não devemos ampliar os avanços da medicina moderna até que tenhamos vencido a batalha por água potável, saneamento e cuidados básicos de saúde.’”
Conheça os ODS no Brasil e entenda o porquê o saneamento é a mola propulsora da transformação.
- 👪 Erradicação da pobreza – Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares. Água boa e saneamento promovem saúde, e isso permite oportunidade de trabalho que resulta em mais comida na mesa;
- 🍝 Fome zero e agricultura sustentável – Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição, além de promover a agricultura sustentável. Este ODS está intrinsecamente conectado ao anterior.
- 🚴Saúde e bem-estar – Assegurar vida saudável e promover o bem-estar para todos. Lembra da frase colada na porta da geladeira: “se a água que sai pela torneira não tem qualidade, a saúde passa longe” ?
- 📚 Educação de qualidade – Assegurar educação inclusiva e equitativa de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. A ausência do saneamento influencia a evasão escolar. Segundo o Painel do Saneamento Brasil, com base em dados do IBGE de 2022, a escolaridade média das pessoas que têm saneamento é de 11,87 anos, as que não têm esse serviço estudam em média 10,06 anos.
- ♀️=♂️Igualdade de gênero – Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. Considerando que mulheres e meninas, em idade fértil, podem menstruar por até sete dias, é fundamental que se tenha saneamento e local adequado para higiene. A falta disso aumenta a desigualdade.
- 🍶Água potável e saneamento – Assegurar a disponibilidade e gestão da água e saneamento a todos. Até 2030 promover o acesso universal e equitativo à água potável e segura, além do saneamento e higiene; melhorar a qualidade da água, apoiar e fortalecer a participação das comunidades locais para melhor gestão da água e do saneamento, entre outros pontos.
- 💡Energia limpa e acessível – Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e preço acessível à energia para todos
- 👷Trabalho decente e crescimento econômico – Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, além do trabalho decente para todos. Com saúde é possível aproveitar melhor as oportunidades. E “se a água que sai pela torneira não tem qualidade, a saúde passa longe” e melhores oportunidades de trabalho podem ir pelo ralo.
- 🏭Indústria, inovação e infraestrutura – Construir infraestrutura resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação.
- 🟰 Redução das desigualdades – Reduzir as desigualdades dentro dos países e entre eles. O saneamento é um serviço que contribui para isso, pois influencia diretamente na melhoria da qualidade de vida, na saúde e na obtenção de melhores oportunidades de trabalho.
- 🌃Cidades e comunidades sustentáveis – Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.
- 🛍️ Consumo e produção responsáveis – Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis.
- 🌏Ação contra a mudança global do clima – Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos. O serviço de saneamento impacta grandemente neste ODS, pois ele se resume a um conjunto de serviços que além do abastecimento de água potável, também envolve o esgotamento sanitário – coleta, transporte, tratamento e disposição adequada de esgotos sanitários incluindo destinação para reuso ou lançamento ambientalmente correto -; limpeza urbana e manejo de resíduos sólido, além da drenagem e manejo de águas pluviais urbanas.
- 🐟Vida na água – Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. Mais um ODS conectado ao saneamento, já que ele também ajuda a evitar a poluição e o descarte de resíduos.
- 🌳Vida terrestre – Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda da biodiversidade. Saneamento impacta indiretamente, à medida que contribui para evitar a poluição das águas e consequentemente do solo.
- 🕊️Paz, justiça e instituições eficazes – Promover sociedade pacíficas e inclusivas para desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça a todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.
- 🤝Parcerias e meios de implementação – Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.
Fonte: Nações Unidas Brasil
A Agenda 2030 e você
É gigante o tamanho da importância do conceito de que saúde e dignidade têm tudo a ver com saneamento e água tratada. É por isso que a água potável e o saneamento estão entre um dos ODS e influenciam boa parte dos demais, até porque água de qualidade na torneira reduz a ocorrência de doenças relacionadas à contaminação e algumas consequências são rapidamente notadas.
Então, ao ser cumprida, a Agenda 2030 vai impactar e transformar a vida de todos: na saúde redução das internações por causa das chamadas doenças de veiculação hídrica; na educação com menos ausência nas escolas por causa dessas doenças; no emprego, a mesma situação; na renda menos gastos com medicamentos e internações; no meio ambiente, redução da poluição e na cidadania, mais inclusão e equidade.
A data está chegando
O ano de 2030 está logo ali, em um horizonte bem pertinho. Rosana Abi Saab acredita que é possível manter uma perspectiva otimista, para ela, em países com alta desigualdade, como o Brasil e tantos outros em desenvolvimento, o progresso depende de decisões políticas conscientes que direcionem recursos para onde eles são mais necessários, e não apenas para onde há maior visibilidade ou retorno econômico.
“Nas grandes cidades brasileiras, por exemplo, é essencial o apoio do Estado para expandir redes de esgoto e sistemas de manejo de resíduos. Mas em áreas rurais e regiões de menor densidade populacional, já existem soluções técnicas viáveis, eficazes e relativamente acessíveis. Essas soluções incluem desde a segregação e compostagem de resíduos, queimadores com chaminés adequadas, até a construção de latrinas ou fossas sépticas com bons sistemas de infiltração. Muitas vezes, o que falta é apenas apoio técnico, sensibilização comunitária ou a facilitação de insumos básicos”, defende a técnica.
Mudanças no cenário global
No cenário global, segundo ela, também há avanços. “Vários países têm adotado abordagens inovadoras, promovendo o saneamento com base na participação comunitária, tecnologias apropriadas ao contexto local e forte integração entre saúde pública e infraestrutura. Se até 2030 as decisões forem orientadas por dados epidemiológicos, e houver uma colaboração mais estreita entre os setores de saúde, meio ambiente e infraestrutura, tanto no Brasil quanto globalmente, podemos ver avanços significativos. O saneamento não precisa, e não deve esperar grandes obras, pode começar com soluções simples, adaptadas, acessíveis e com impacto direto na qualidade de vida das pessoas”, conclui.
Texto: Chris Reis
📌 Links e Fontes
https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
https://tratabrasil.org.br/doencas-falta-saneamento-11-mil-mortes-brasil
https://www.ipea.gov.br/ods/ods6.html
https://tratabrasil.org.br/acesso-mulheres-saneamento-r-135-bilhoes
https://blogs.iadb.org/brasil/pt-br/o-acesso-a-banheiros-como-um-recurso-para-a-igualdade-de-genero
https://tratabrasil.org.br/dia-da-educacao-saneamento-estudante